Pântano

Pedro Bomfim
3 min readSep 7, 2023

Madrugada.

Há anos penso em escrever algo, mas desisto com tanta frequência que o fracasso se tornou hábito e o hábito, rotina. Não tenho nada a dizer que seja tão interessante assim e, de fato, começar um texto com esse doloroso, mas honesto reconhecimento não parece o ideal. Mesmo agora, conforme os caracteres aparecem na tela pouco iluminada do computador, há uma briga nefasta entre todos os músculos responsáveis pela digitação; mal sabem eles que, por trás desse conflito, repousa uma mente irrequieta, temerosa deles fazerem as pazes e finalmente prosseguirem com uma rebelião, deixando a guerra civil de lado.

Um estalar ósseo contínuo demonstra que as costas, ombros e joelhos também entraram nessa disputa, mas é difícil compreender seus posicionamentos. Talvez estejam influenciados por uma sombra esguia que paira no cérebro, responsável por tantos desses obstáculos. Em verdade, ele é o responsável absoluto por todas as perdas, fracassos, desistências e dores; sejamos justos, ele também é o supervisor das vitórias, conquistas e anseios, mas, sob sua visão rígida, as glórias passam despercebidas ou, quando muito, por meio da cáustica lente do desdém.

Fruto da guerrilha ardilosa, o cheiro produzido pelos novos ciclos surge do orvalho que, bem, não existe naquele momento. A noite não está fria o suficiente para produzir esse efeito, tampouco choveu nas últimas horas. Mais uma técnica nebulosa, uma maquinação sutil e cruel, posta em funcionamento para evitar, como acontece todos os dias, o despertar de fortes emoções. Tomei emprestada essa última frase, ou parte dela, ao menos, de certo poeta inglês, importante nos anos de formação de um estudante qualquer, marcada com bastante ênfase.

Há de se pontuar, entretanto, que, mesmo durante este romance de formação materializado, os conflitos internos já estavam presentes. Não há motivo para mentir, também: não sei quando eles começaram, não compreendo exatamente os motivos e não sei se, caso os compreenda algum dia, faça qualquer diferença. Dizem que a história é cíclica, mas de que adianta esse conhecimento se a minha história parece nunca ter saído do lugar?

Difícil conceber a existência desse suposto lugar. Onde ele fica? Como cheguei nele? Consigo sair? Tudo parece envolver uma espécie de movimento que não aprendi enquanto outros dominaram, portanto, fui obrigado a conviver com uma corrente no pescoço. E é assim que respiro, dia após dia, sem o tato ou a audácia necessários para viver. A comparação à máquina defeituosa já viu seu ápice e declínio, então sequer isso me resta; não sou uma máquina, mas, confesso, gostaria de ser. Será que essa escolha poderá ser feita em algum momento do futuro?

Não, acho que já podemos fazê-la. Sem limitações teóricas pedantes, somos maquinais, ainda que não mecânicos. Precisamos da tecnologia do mesmo jeito que máquinas bebem eletricidade para funcionar; esquecemos, como sempre acontece com lembranças deixadas de lado voluntariamente, mas a realidade está aí. Não julgo, também, se alguém disser que essa escolha não é, de fato, uma escolha, mas, quiçá, uma imposição, a depender da ordem social estabelecida em determinado contexto ou lugar.

Mas cá estamos novamente falando sobre lugares, fictícios ou não. Tudo isso porque uma mente astuta resolveu instaurar barreiras psicossomáticas para mitigar os danos já causados e, também, vindouros. A confusão faz parte do enorme rebuliço e, sem um pouco dela, não há jeito de começar uma verdadeira revolução. Ao menos no universo interno; o externo é demasiado complicado e cheio de nuances calculistas para se considerar, com sorrisos abatidos, olhares fulminantes e palavras desconcertadas.

Tudo isso foi uma completa perda de tempo, digo para mim mesmo. E é verdade. Mas, considerando todas as porções de tempo perdido dedicadas às mais variadas atividades, talvez esse tipo de hemorragia não seja das piores. Certamente não é pior que trabalhar para ter o básico e, mesmo assim, não o ter. Tenho sorte nesse sentido, ao menos. O peso brutal das cifras só afeta meu psicológico que, já derrotado há tempos, suporta silencioso e soturno os quilogramas de descompensação que se acumulam. Mas ei, todos deveríamos agradecer, não é o que dizem por aí?

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Pedro Bomfim

Morto por dentro, nada mais do que um fantasma de comentários pungentes.